Violência processual e o julgamento sob a perspectiva do gênero

14 de junho de 2023
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Por Ithala Souza, advogada atuante nos setores de Direito de Família e Procedimento Ordinário no escritório Cândido Dortas Advocacia

Há um ano, o Superior Tribunal da Justiça julgava o Recurso Especial nº 1761369/SP, com o objetivo de averiguar a possibilidade de condenar um advogado a reparar os danos morais causados a parte adversa quando propagado ofensas odiosas, depreciativas, misóginas e desnecessárias ao processo, fazendo-o sob o manto da ampla defesa.

No caso em questão, o advogado havia proferido ofensas a parte adversa, enquanto mulher, de forma dissociada da defesa técnica e juridicamente irrelevante ao processo. Ofensas essas que revelavam um discurso imbuído de ódio, machismo, sexismo e misoginia.

De relatoria da Ministra Nancy Andrighi, a conclusão no Recurso Especial foi pela possibilidade de responsabilização do advogado, pelos seguintes motivos: i) incumbe ao advogado o dever de filtrar as informações que lhes são passadas pelo cliente e posteriormente incluídas no processo e, ii) a imunidade profissional não é absoluta, de forma que não lhe é conferido o direito de materializar ofensas a outra parte.

Essa conclusão acompanha as orientações estabelecidas pelo protocolo de julgamento sob a perspectiva do gênero elaborado pelo CNJ em 2021 que, dentre outras medidas, elenca alguns direcionamentos ao magistrado para conter a prática, a perpetuação e os danos da violência de gênero no seio de um processo, bem como interromper linguagens ofensivas, dirigidas a quaisquer das partes, maquiadas pelo vernáculo jurídico.

Neste sentido, importante reconhecer o papel do magistrado na condução do processo para conter e coibir tais práticas, o dever do advogado em filtrar as informações que são incluídas (verbal ou escrita) e o direito da parte em ter acesso a um procedimento que, além de justo e imparcial, não a desqualifique por estereótipos de gênero.

A conclusão do Recurso Especial e as orientações do Protocolo do CNJ remetem à obrigação assumida pelo Brasil (Recomendação Geral nº 35 da Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres) em garantir que um procedimento legal não seja afetado por um histórico social de opressão e não seja utilizado como instrumento de propagação de violências.

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